26/02/2013

[Escrivaninha] Listando


Estou sentada no chão, os pés esfriando do calor infernal no piso geladinho. Meu cabelo está preso em um coque, mas começou a me a doer a cabeça, então logo voltou tirar o elástico.

E há um lápis em minha mão. O meu preferido, mas não sei se isso serve de consolo. Uma folha arrancada do caderno de desenhos está apoiada em um livro, que fica meio dobrado sobre os meus joelhos. Estou riscando estrelinhas no alto da folha, pois estou a fim de escrever. Mas a inspiração não veio ainda.

Isso está ficando tão comum quando entediante. Não sei o que escrever! é a frase que mais digo nas últimas semanas. Mas sinto falta de escrever, de deixar todas as palavras que atormentam a minha mente fluírem, correm para bem longe de mim. Sinto falta de quando elas simplesmente ficavam no papel e eu podia ler, reler, e reler o que tinha escrito e me lembrar daquele momento.

Um estalo. Escrevo uma palavra no alto da folha. Frio. Mas você se engana se pensa que eu estou me referindo aos meus sentimentos. Eu adoro o inverno, e o verão me deixa desconfortável demais para que me sinta bem. O inverno, meu cachecol vermelho-vibrante, meu gorro de lã que minha mãe detesta, meu par de coturnos, meu cabelo sempre solto e poder tomar sopa. Aqueles dias em que o céu amanhece tão azul que parece perfeito demais para ser verdade, e aqueles em que chove tão frio que você se sente até amargurada.

Coloco mais uma palavra da folha, abaixo da antecessora, agora em uma letra mais redondinha. Cinza, a cor do céu nublado. Mas então parece sem sentido, e acrescento um companheiro à recém-escrita: tempestuoso. Tempestade é algo que eu adoro observar no fim de tarde, com o vento louco arrepiando meus braços... e posso imaginar um milhão de histórias começando com um cenário de tempestade.

Escrevo de novo: rua deserta - um dos lugares que já usei para cenário com tempestade. Mais uma, silêncio. Então: não olhe para trás. Uma frase que serve tão bem como lema de vida... e que, no caso do suspense policial, salva vidas. Por idiotice ou por hábito, olho pela janela que está atrás de mim. O que escrevi mesmo? Não olhe para trás. O que acabei de fazer? Olhei para trás.

Mas quando meus olhos já estão focados novamente na folha de papel, ela já não está tão branca quanto antes. E estou escrevendo janela - mais uma lembrança de texto antigo que fiz. Noite, acrescento rapidamente. Um dos cenários mais comuns e enigmáticos.

Estou continuando, e de repente há mais palavras surgindo. Lua nova, coruja, som do mar, passos sobre o asfalto. Escrevo, e quase posso ver a cena ao longe, ouvir as corujas piando melancolicamente e os gritos assustados. Ainda não escrevi isso? Gritos, e é mais um jorro de imagens. São olhos brilhantes no escuro, raios partindo o céu com furiosa velocidade. Já imergi na folha, em minhas palavras tão obscuras e fascinantes para mim. Estou indo bem, penso. E escrevo também essa frase.

Subitamente, paro de escrever. A ponta do lápis está ficando grossa, e odeio quando isso acontece. Mas o apontador está na escrivaninha, e estou com preguiça de buscá-lo. Então vejo novamente a folha, com uma lista de palavras e frases. Eu estava listando mesmo? Não. Eu estava em um outro mundo, sonhando com a cena que as palavras criaram.

Solto o cabelo e o elástico voa longe. Sacudo um pouco a cabeça para soltar os fios que se grudaram uns nos outros. Fecho os olhos, sentindo a inspiração voltar.

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