19/03/2013

[Escrivaninha] Libertando-se


A neve caía levemente sobre seus ombros, tocando seu rosto como ninguém nunca fizera e queimando onde tocava em suas mãos tão pequenas. A rua vazia a acompanhava, deixando-a que caminhasse o mais devagar possível, fazendo com que os flocos tão frios a congelassem lentamente. Muito lentamente, de um modo que ninguém percebia.

Ela ergueu os olhos para o céu turvo, a cor um cinza tão pesado que parecia preto, e se sentiu a pessoa mais feliz do mundo. Seu coração estava quente e batia forte, alegre, com se tudo o que visse fosse céu azul e sol radiante. 

Mas o sol que ela via estava muito, muito distante. O céu azul estava atrás daquelas nuvens pesadas que prometiam uma tempestade para mais tarde. Ela estava esperando aquela tempestade, pois sabia que, depois de tanto tempo retraída e imersa em solidão, sua alma iria se sentir mais viva com a neve. Era sempre assim que acontecia, era isso que ia acontecer. Ela já podia sentir o retorno da vida para dentro de si.

A neve começou a cair mais pesada, e ela deu um giro sobre a calçada molhada. Sorriu, e girou mais uma vez. E outra. E mais uma. Até que, quando percebeu, estava deslizando pela rua, girando e girando, e rindo. Estava rindo, pela primeira vez em muito tempo. Talvez mais de cinco dias. Rindo, e girando. Desde quando havia tanta felicidade em si?

Mas ela não se importava. Não, ela estava ocupada demais apenas rindo e girando, e chorando de tanto rir. Caiu sentada na calçada, e jogou a cabeça para trás, sorrindo tanto que suas bochechas doíam. Seus olhos vertiam lágrimas de felicidade, e seu peito estava tão estufado que parecia querer explodir. Tinha sido liberta, e mesmo que não houvesse ninguém para presenciar sua vitória, ela só sorria.

Ela expirou, soltou devagar o ar. Riu mais, sorriu, colocou a língua para fora e deixou que a neve caísse ali, congelasse sua boca e a fizesse a pessoa mais feliz do mundo.

Ergueu-se devagar, sacudiu um pouco da neve que ficara grudada em seus jeans. Sorriu para o horizonte, para a rua deserta, para a neve tão fria. Fazia muito tempo desde que era como a neve - ou tão gelada quando - mas aqueles eram tempos passados.

Ela girou mais uma vez, e agora sua música preferida estava tocando em sua mente. Colocou os fones de ouvido, sorriu mais um pouco, e deixou a música tocar.

Logo, a neve caiu mais forte, porém ela estava longe daquela rua solitária. Mas ainda estava sorrindo.

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