20/03/2016

{Desafio de escrita} Mais uma bebida, por favor!

Foto: Flickr


Arranco o crachá da minha blusa e atiro no balcão, aos olhos furiosos da minha supervisora. Ela parece que vai espumar a qualquer instante, então sorrio, arranco a bolsa da cadeira e quando alço voo até a porta de saída. Até nunca mais.

Tento respirar um dois um dois um ar ar um dois a meu socorro dois um.

Preciso chegar ao ponto de ônibus o mais rápido possível, chegar em casa e me esconder lá por uma semana inteira. Quero ignorar a todos. Não, ônibus não. Muito devagar. Embora, neste momento, acho que nada irá rápido o suficiente para mim. Quero correr, mas meus sapatos de salto não permitam. Danem-se eles. Tiro os sapatos e os jogo dentro da bolsa, jogando sujeira e pedacinhos de asfalto junto. 

O céu está pesado e venta muito, o calor chega em ondas até mim. Vai chover logo, mas não me importo, ou não quero me importar. Preciso de um emprego novo, penso. Preciso de uma vida nova. Acho que, talvez, precise de um milagre. Há raiva ebulindo dentro de mim, e sinto que lágrimas - de ira, tristeza, - chegarão a qualquer instante num futuro muito próximo.

Mas elas não são rápidas o suficiente. A chuva começa a cair fria sobre meus cabelos, encharcando-os e escorrendo pelo meu pescoço. Onde está minha sombrinha? Onde? Vasculho a bolsa só para me lembrar que ficou na minha gaveta no escritório. Não vou voltar para buscar. Queria o ônibus agora, mas momentaneamente me sinto perdida. Então chega o granizo, pedrinhas de gelo pipocando e machucando minha pele. Preciso de refúgio, e rápido, então entro na primeira porta aberta que encontro. 

É um bar. Há poucas pessoas naquele ambiente mal iluminado e que cheira a mofo, todos olhando de esguelha para a mulher descalça e molhada que acabou de entrar. O atendente, um rapaz magrelo que parece ter quinze anos, ri de modo simpático para mim.

- Foi pega de surpresa pela chuva, moça? 

- Acho que sim - estou tentando decidir o que faço primeiro: bebo algo ou tento me secar.

- Tem um banheiro ali atrás. Pode usar se quiser.

Isso faz com que eu me decida, e, cinco minutos depois, estou um pouco menos molhada, e minha bolsa foi salva de maiores estragos. Sento-me ao balcão e peço uma bebida quente, para afastar o frio repentino da chuva. O rapaz me traz um copo com um líquido laranja, e sorri quando faço cara feia.

- É a nossa especialidade, cachaça das boas. Garanto que não tem que ter medo disso aí, moça. Vai esquentar rapidinho.

Tomo um gole cauteloso, e sinto meu corpo todo estremecer e aquecer. Solto um suspiro, e balanço os pés, muitos centímetros acima do chão. Estou relaxando lentamente a cada gole da cachaça, e presto atenção para ver se vou ficar tonta. Não fico, mas quando enxugo o copo, não peço mais. Há um rádio ligado no fim do balcão, e fico ouvindo as notícias mais recentes enquanto me torturo com pensamentos sobre voltar para casa e receber sermões da minha mãe sobre deixar um emprego neste época tão difícil. Então não percebo que o rapaz voltou a falar comigo.

- Moça? 

- Desculpe, não prestei atenção. O que disse?

- Eu estava olhando pra você, e, er, quero dizer, não estava olhando, e eu não sou do tipo que encara as garotas, moça... - ele engasga um pouco e recomeça quando vê que eu sorrio. - Você não é a garota do blog? A do Audácia Turquesa?

"Você não é a garota do blog?" A frase ecoa na minha mente. Ele disse o nome do meu blog! Estou pasma.

- Sou. Sou eu, sim.

- Eu lia ele, sabe? Gostava das suas resenhas. Do que você escrevia. E ouvi algumas das suas playlists, mas não era meu tipo de música, sabe? Mas eu li A revolução dos bichos depois da sua resenha. Ganhei um dez por apresentar o livro na escola. 

- Você está falando sério?

- Sim! Quero dizer, não pareço do tipo que lê, sei, mas eu leio. Livros e o seu blog. Pena que não vejo posts novos há quase um ano. - Então o rapaz me lança um olhar esperançoso. - Você vai voltar a escrever? Porque falei para meus colegas que você daria uma blogueira famosa no futuro.

- Acho que sim. - Rio, porque é engraçado demais. - Não sei mesmo. Mas quero outra daquela dose, por favor.

Enquanto bebo, penso que tenho outras prioridades além do meu fatídico Audácia Turquesa, mas tudo no que consigo pensar é que este rapaz, o mais improvável entre todos, terá uma surpresa quando acessar o blog da próxima vez. E, quando vou embora, com a cabeça leve, mas sem estar bêbada, descubro um novo rumo para o meu destino ao cruzar uma das esquinas da vida.


Este texto faz parte do Desafio de escrita e corresponde ao item 5: Você sai de casa sem guarda-chuva, é pego de surpresa pela chuva e entra em um bar qualquer. E também é o texto da semana passada que eu não postei... O que significa que semana que vem terá um desafio duplo! =^.^=

4 comentários:

  1. Oi Natália!
    Aaah adorei o texto!!! Você escreve muito bem! Imagine se a gente fosse reconhecida na rua por causa do blog? hahaha eu acho que ia morrer de vergonha!
    Aliás preciso voltar participar do desafio, as últimas semanas foram bem corridas e não consegui escrever nada :(

    Beijos,
    Sora - Meu Jardim de Livros

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    1. Nem me diga! Estou atrasada duas semanas com o desafio! Mas como diz o ditado: mais qualidade que quantidade! (Ou algo parecido.)

      Beijos! :)

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  2. Que texto mara! Muito bem escrito, parabéns! Você deveria escrever mais textos próprios :)

    www.flagimenes.com.br

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